terça-feira, 24 de agosto de 2010

bom dia, Vilarana

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... na estória geral do rio das amazonas, eis a vila que nem vila era: Vilarana do Curralpanema, a flor dos tijucos e aningais. Um não-lugar à margem do próprio limbo metafísico onde a imaginação gosta de zombar da realidade e reinventar a paisagem esmaecida na memória. Joaquim Ferreira Rodrigues, seu criado aqui presente, por apelido de casa Quinquinhas; passa do papel almaço e caneta bic que lhe calejou a mão destra para esta sorte de magia moderna que se chama internet. Se a coisa quer dizer 'rede', rede é com a gente de Vilarana mesmo. Aqui a gente nasce, faz criança, vive e morre em rede...


que progresso e tanto na vila que nem vila era! Nunca dantes nas mais avançadas das mais avançadas conversações no bar do Emérito se chegou a imaginar uma coisa desta. Antão, haja o filho do Agripino e dona Adélia Galizio praticar a tal inglezia que já apareceu até nestas paragens fora do mapa real: daqui mandará ele notícias ao mundo e as saberá na mesma hora dos acontecimentos.


Quem diria? A vila que nem vila era foi pra frente. Apesar da caveira de burro enterrada debaixo da igreja de Nossa Senhora do Tempo, apesar da cobragrande Boiúna que mora no sumetume encantado da ilhinha confronte ao Fim do Mundo; apesar de assombração de Curupira e Matinta Perera pra quem anda saqueando as varjas; e, afinal de contas, da velha oligarquia familiar ultra malina do finado Intendente Boaventura Everdosa.


mas porém, como hoje é dia do Berto é bom a gente parar por aqui e esperar que o dito cujo vá mijar no pé dos açaizeiros a fim de pretejar cacho de açaí nosso de cada dia. Talvez os senhores e as senhoras não saibam que para veneno o açaí só falta um grau... Quem disse? Compadre Manduquinha (cara de índio "extinto"), exímio conhecedor de vinho de açaí tinto, branco, tirado a tinta e parau... Acho eu que o quase veneno do açaí se deve à mijada do Berto nas touças de açaizeiro no dia 24 de agosto. O Berto é o Diabo, não sabe? Pois, aqui no Curralpanema esta gente tem medo ou respeito ao Berto. Mas, paresque, porque a vida nossa é mui dificultosa em riba da maré todo mundo aqui tem que trabalhar desde pirralho na apanhação de açaí. Antão, até o Capeta é obrigado a prestar algum serviço que preste pra gente...


perguntei, uma vez, a padre Eurico por que havera este tal dia do Berto. Ele me olhou zolhudo com seus grandes bagos de olhos azuis azuis... e falou diz-que "non saberr superrtição de kaboco"...  Puta merda! Se o padre alemão não sabe disto, quem mais em Vilarana havera de saber? Foi quando, por acaso ou mandado pelo Cão, o doutor Virgílio proseando no bar do Emérito disse o seguinte:


há muito tempo, na França paresque, deu-se a desconforme noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de milquinhentos e tantos; a matança doide de crentes por católicos do tempo do ronca. Depois da desgraça feita os bons católicos consumiram-se em baitas penitências e botaram a culpa no Diabo... O Liduíno do Boi, que já tinha consumido umas e outras doses de matabicho, matou a charada na hora dizendo ele: "Ah, parente; é por isto paresque que inventaram a estória do Berto nestas bandas..". Aí o Emérito emendou, "ai ai! antão, foram os Padres de antigamente que trouxeram o Berto Bartolomeu pra estas paragens".


Deu-se um silêncio perturbador. Emérito estava recentemente convertido ao Protestantismo. Quinquinhas sentiu cheiro de pólvora no ar (lembrou-se da vez em que a casa do fogueteiro Lucindo explodiu e foram encontrar o corpo do pobre pulverizado pelas árvores do quintal até o açaizal no igarapé adentro)...Meu Deus, era dia do Berto! Imagina o perigo de explosão de ânimos, aquilo lá podia dar em grossa confusão se um católico velho ressentido com a flechada do crente novato avezasse de brigar por causa de sua santa religião apostólica romana. Mas porém, por se tratar justo do dia que era e já estar na hora da boia; a gente, escaldada de tontas encrencas do lugar, achou melhor se levantar e ir embora. O relógio da igreja bateu meio dia em ponto, saracura no mato cantou na quebrada da maré, Emérito fechou o bar e também cuidou de ir almoçar. Vilarana toda forrou as tripas com peixe frito e pirão de açaí colhido de véspera e foi dormir a sesta na rede. As três ruas ardiam debaixo do sol a pino que nem febrão de malária. Credo em cruz...


Diabo é quem trabalha num dia destes.

Um comentário:

  1. Caro Varella,
    sua verve onírica destila-se pulverizante sobre as linhas imaginárias que a página virtualíssima expressa, projetando a magia impressa da tua memória controversa que se projeta num ecran diluviano abundante em charcos, alagadiços, capoeiras e campos de cachoeira para não faltar ao feitiço do Dalcídio teu velho conhecido.
    Um grande abç,
    Sergio Nunes

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